terça-feira, 22 de março de 2011

RELIGIÃO E CONSTITUÇÃO

ESTADO LAICO E NAÇÃO RELIGIOSA

Os episódios que envolveram a variável religiosa nas últimas eleições presidenciais demandam uma reflexão serena e decisões sensatas, que podem ser construídas. Sabemos que, por muitos milênios, com o estágio do poder personalizado (Duverger) e a legitimação tradicional (Weber), tivemos Estados teocráticos: o governante se identificava com a divindade e dela era uma emanação, sendo os sacerdotes o principal aparelho ideológico e os textos ditos sagrados a principal fonte normativa. O que parecia ser algo do pássado resurge, com força, com a Revolução Iraniana e o Islamismo extremado. Um segundo modelo são os Estados confessionais, tanto com o poder personalizado e tradicional do absolutismo, quanto com estado institucionalizado e de legitimação racional-legal (estados democráticos de direito): a Suécia é luterana; a Escócia, presbiteriana. Com as ditaduras de fundo marxista-leninista, temos tido, nos últimos cem anos, os Estados ateus (ateocracias) materialistas, como a extinta União Soviética e a atual Coréia do Norte.
Uma tragica realidade da qual não se torna a devida consciência é que na maioria dos paises (teocraticos, confessionais e ateus) há perseguição, repressão ou restrições à liberdade religiosa. A opção construída no Ocidente foi o Estado Laico, ou seja, não-confessional, com a separação entre Igreja e Estado, como instituições, e a inexistência de uma religião oficial, enquanto se garante, constitucionalmente, a plena liberdade religiosa: crer, reunir, protestar e propagar. O Estado Laico foi uma das grandes conquistas da civilização, apoiado pelos cristãos, como quando o instituímos no Brasil com a Constituição de 1891.
Com a pós-modernidade estamos vendo surgir no Ocidente um novo modelo: o Estado secularista, que procura implementar uma ideologia no fundo ateia e materialista, moralmente relativista, antireligiosa (particularmente antímonoteísmo de revelação), em que, em nome de um mundo sem verdades ou de verdades plurais individuais, procura expulsar a presença institucional e a expressão do pensamento religioso do espaço público, restringindo-o às subjetividades e ao espaço dos lares e dos templos, ou seja, à  irrelevância como fato social. è um equivoco e uma má fé confundir Estado secularista com Estado laico, secularismo com laicismo. Um aspecto a ser destacado é que a sociedade antecede o Estado, e este - dela derivado - é "a sociedade politicamente organizada". O que se tem pretendido, como permanente tentação totalitária, é o Estado como ente autônomo, com seu aparelho burocrático, se vendo como vanguarda iluminada, procurando impor^`a sociedade as suas ideologias, "corrigindo o seu atraso". Isso atenta contra o principio democrático, pois no lugar de expressar o pensamento da maioria, se impõe (pelo braço do Estado) a sua agenda minoritária, mas "superior" ou "verdadeira". O secularismo não está presente apenas na burocracia do Estado, mas é hegemônico nas universidades, na mídia e nas artes. O politicamente correto, o multiculturalismo, o amoralismo, o aborto, a eutanásia, o homossexualismo e a iconoclastia contra os simbolos religiosos, são impostos à maioria em um contexto de ausência de absolutos éticos.
Outro aspecto a ser destacado é que a sociedade não se organiza apenas como Estado, que se expressa como uma pátria (vinculos simbólico-afetivos), mas como nação, como, uma realidade histórica e cultural, com seus costumes e seus valores, onde entra, como uma das suas variáveis principais, a religião. O Estado não pode existir nem em confronto com a sociedade, nem pelo negar a nação. Em suma: o Estado laico e a nação é religiosa, e deve haver um relacionamento adequado entre ambos, como vasos comunicantes. No caso brasileiro, o Estado não pode ignorar a história da nação, nem a cultura da nação, o lugar da cristsndade, em particular, e da religiosidade, em geral. O secularismo desvairado levaria à implosão da estátua do Cristo Redentor, à substituição de nome de Estados da Federação, como Espírito Santo, de cidades, como São Paulo, e de logradouros por todo o país, à eliminação do feriado do Natal, e por aí vaí, para não "ofender" a minoria não-religiosa. Além do mais, ao invocar a proteção de Deus no preâmbulo de sua Constituição Federal, o Estado laico brasileiro se apresenta como teísta, espiritualista e aconfessional. Promover o secularismo é atentar contra a Constituição. A resposta, por parte da maioria religiosa da nação aos desafios do secularismo, não pode ser a passividade, o isolacionismo ou a tentação teocrática, nem a cooptação e o corporativismo, que nega a sua ética. Há séculos de pensamento religioso sobre a organização da vida em sociedade, na busca da promoção do bem-comum, que devemos conhecer e compartilhar como cidadãos, como instituições, e como organizações e movimento, dentro dos marcos do Direito, afirmando a vida e a dignidade da criação. Por um Estado em sintonia com a nação! Por nacionais cristãos influenciando o Estado democrático!.
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Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife
e autor de, entre outros, (Cristianismo e política - teoria bíblica e
prática histórica e a Igreja, o País e o Mundo - desafios a uma fé engajada.